OPINIÃO: O PL do Vereador Milton Leite e o uso em larga escala do Biodiesel nos ônibus de São Paulo 2p4h1l

PL do vereador Milton Leite, com diversos problemas amplamente revisados em entrevista para o Diário do Transporte, tumultua mais ainda o processo de discussão de uma solução legislativa consertada mais adequada, que, de fato, possa trazer avanços ambientais concretos, graduais e consistentes para os próximos anos

OLIMPIO ALVARES

Um projeto de lei do vereador Milton Leite, com diversos problemas já amplamente revisados em entrevista do Diário do Transporte ( /2017/05/11/entrevista-exclusiva-para-especialista-pl-que-defende-substituicao-de-frota-atual-por-onibus-a-biodiesel-nao-representa-avanco-ambiental/  ) está tumultuando o processo de discussão de uma solução legislativa consertada mais adequada, que, de fato, venha para trazer avanços ambientais concretos, graduais e consistentes para o meio ambiente nos próximos anos. Uma das mais importantes tarefas do Prefeito Dória e do Secretário do Meio Ambiente Geraldo Natalini é, finalmente, desatar o nó criado por uma lei irrealista, tecnicamente precária e carente de consenso, concebida na gestão Gilberto Kassab e ignorada pelo seu sucessor Fernando Haddad.

Depois da entrevista concedida ao Diário do Transporte, onde foram esmiuçados quase todos os aspectos da polêmica proposta de lei municipal, recebi uma série de comentários de colegas interessados em saber um pouco mais, e de modo mais claro e organizado, sobre o papel do biodiesel no contexto da mitigação das mudanças climáticas pelo setor dos transportes.

Observa-se reiteradamente nos fóruns de discussão, que militantes ambientalistas, no geral, tecnicamente desinformados sobre a mecânica dos motores a combustão, bem como alguns agentes comercialmente interessados mais afoitos, tendem a propor em lei, de modo unilateral, a adoção de misturas de biodiesel de alto teor e até mesmo o biodiesel puro como uma solução rasa destacada para o equacionamento do problema da frota diesel de emissões sujas, tóxicas e fósseis – em prazo recorde. A ideia desses setores suspeitos, acaba de desaguar na muitas páginas do PL de Milton Leite, na forma da generalização do uso do B20 e do B100 nos conhecidos e confiáveis motores diesel.

Há no projeto de lei também uma tímida previsão de uso de veículos elétricos a partir de 2022, e depois, muito à frente, a partir de 2037 (20 anos depois da sua promulgação!!!), o que parece ser uma brincadeira, considerando a grande evolução técnica e comercial desta e de outras alternativas tecnológicas disponíveis no mercado brasileiro, como os avançados e competitivos ônibus híbridos e os movidos a gás natural e biogás, renovável, cujo potencial de produção para os próximos anos em áreas metropolitanas é gigantesco.

De fato, o biodiesel pode vir a ser uma das diversas opções, que, somadas, irão contribuir com o esforço mundial de controle do aumento da temperatura do planeta; entretanto, está longe de ser a panaceia para solucionar de modo singelo, um problema que, na verdade, é bem complexo, no sensível ambiente das frotas de transporte público das grandes cidades brasileiras. Afinal, trata-se de um tema delicado, que se não for tratado com a máxima clareza e responsabilidade técnica e política, pode implicar graves danos operacionais ao sistema e riscos de desabastecimento da oferta de transporte para os cidadãos paulistanos e brasileiros.

O biodiesel foi posicionado pelo vereador, de modo tecnicamente equivocado, como solução principal para aumentar a fração de energia renovável utilizada na frota de ônibus urbanos paulistana de cerca de 15 mil veículos, em substituição à energia de origem fóssil do diesel. Mas, qualquer política pública hoje, cujo pilar seja a adoção de B20, B>20 ou B100, deveria ser, a priori, amplamente discutida com todos os atores envolvidos nesse cenário, pois, atualmente, ainda não há clareza nem segurança para a tomada de certas decisões vitais. Senão, vejamos:

– Não se sabe se o B20, B>20 e o B100, seriam de fato autorizados no futuro pelos fabricantes de motores, no que concerne à performance técnica, operacional e aos procedimentos de manutenção dos motores diesel convencionais existentes hoje – e no futuro* – incluindo aspectos relacionados ao maior consumo e emissões de NOx, agravados no caso do uso de B100 (cerca de 10% maior).

* Nota: Os níveis de emissões de particulados e óxidos de nitrogênio (NOx) esperados para a os futuros motores brasileiros de Classe Euro 6 (Proconve P8), que já são utilizados na Europa desde 2012 e nos Estados Unidos desde 2010, são tão restritivos, que uma pequena mudança no combustível diesel convencional puro, por meio da utilização de misturas de biodiesel em qualquer proporção, poderia eventualmente comprometer todo desenvolvimento de engenharia feito nos últimos doze anos, para que esses motores de última geração atingissem as ultra-baixas emissões tóxicas locais – emissões que comprovadamente causam milhares de mortes e doenças cardiorrespiratórias nas grandes cidades brasileiras. Esses avanços de projeto e calibração dos motores Euro 6 os transformaram, finalmente, em uma das mais limpas soluções para o transporte coletivo de ageiros e de carga no mundo; mas, com a única desvantagem de terem emissões fósseis de dióxido de carbono (CO2) que vão se acumulando ao longo dos séculos na atmosfera terrestre, provocando o aquecimento global – o problema do “cobertor curto”. 

– Não há qualquer sinalização firme, sobre se as montadoras – com a necessária antecedência de alguns anos, antes de colocar o produto na prateleira – estariam dispostas a investir no Brasil no desenvolvimento de engenharia de uma linha especial de motores diesel**, em prancheta, campo e laboratório, e realizar os testes de performance, durabilidade, emissões e homologação das emissões junto aos órgãos ambientais, já prevendo os limites de Euro 6, para uma gama de modelos de motores especiais convencionais e híbridos, com calibrações especiais e práticas de manutenção especiais, capazes de operar com B100. E ainda, se esses motores especiais teriam a capacidade de operar com diesel puro comercial (capacidade de serem ser flexíveis) em caso de haver problema de desabastecimento de biodiesel no mercado brasileiro, como ocorreu no ado com o etanol – o transporte público não pode correr riscos dessa natureza.

** Nota: Essa questão foi sugerida pelo representante oficial da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos – Anfavea em 25.04.2017 (reconhecido especialista em emissões de motores a diesel) durante a última reunião do Comitê do Clima da Prefeitura de São Paulo.

– Ademais, não se sabe se os organismos ambientais homologariam e autorizariam a operação em larga escala com B20 na frota atual circulante de quinze mil ônibus, após a realização de testes oficiais de emissões e durabilidade necessários, em uma gama representativa de motores.

– Não há informação segura se os procedimentos de produção, manuseio, armazenagem, transporte de biodiesel e das misturas de biodiesel, no Brasil, poderiam ser rastreados, a ponto de garantir, com tranquilidade e segurança, a qualidade físico-química do degradável biodiesel, nos tanques das garagens e dos ônibus em circulação. O programa piloto realizado há alguns anos em São Paulo, com 1.200 ônibus movidos a B20, no âmbito do Programa Ecofrota, da Prefeitura, foi suspenso pela quebra excessiva de ônibus causada por suposta qualidade inadequada de lotes de biodiesel de origem suspeita.

– Outro aspecto que ainda não teve uma abordagem satisfatória ao longo das discussões dos últimos anos no Brasil, tem relação direta com a “pegada de carbono” fossil do biodiesel no ciclo de vida*** do biocombustível a ser fornecido por toda cadeia de produção nacional. Não se sabe se ele atende de fato a padrões satisfatórios, com respeito à quantidade de emissões de carbono de origem fóssil inerente ao processo de produção e distribuição. Esse fator, absolutamente relevante no âmbito de uma política climática de âmbito local, regional ou de País, ainda não foi estudado no Brasil e isso deveria ser necessariamente realizado de modo isento pelos produtores de biodiesel e pelas autoridades ambientais, previamente à uma eventual decisão pela adoção de uma política pública ampla de caráter essencialmente climático, que privilegie esse biocombustível (parcialmente) renovável na análise do ciclo de vida (LCA – Life Cicle Analysis). Estamos no Brasil “a zero” com esses estudos específicos, para cada produto de origem.

***Nota: esse aspecto é um entrave muito conhecido, no que diz respeito à não-expansão da utilização do etanol automotivo nos países desenvolvidos, como política ambiental climática. Outros fatores desse cerceamento são relacionados com o uso do solo e com os efeitos tóxicos locais – por exemplo, a emissão do NOx e o potencial de formação do ozônio secundário na atmosfera pelo uso do etanol em larga escala. A “pegada de carbono” fóssil do etanol de origem de outros insumos (exceto a cana de açúcar), apresenta valores muito elevados, ao contrário do que ocorre com o etanol de origem da cana, que apresenta, segundo estudos da Unicamp, uma “pegada fóssil” de cerca de 10 a 15% na LCA. 

Não se trata de preconceito contra o uso do biodiesel, mas de fazer uso adequado desse, dentro das melhores práticas de engenharia e do melhor interesse público e do meio ambiente, respeitando procedimentos básicos essenciais – e usuais – de avaliação técnica, comercial, operacional e ambiental de combustíveis alternativos.

Não há, porém, nenhum óbice em relação ao uso em larga escala do biodiesel no teor máximo previsto para uso comercial – não apenas no sistema de transporte público – nos próximos anos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP no Brasil (B10), desde que sua qualidade físico-química seja garantida aos operadores. O uso em larga escala do B20, embora tenha sido recentemente aprovado pela ANP, parece ainda, salvo melhor juízo, carecer de aprovação dos organismos ambientais, quanto às emissões de NOx e outros parâmetros em testes de durabilidade.

Finalmente, cabe ressaltar, que a ciência da toxicologia ambiental ainda está devendo à comunidade mundial pesquisas e conclusões definitivas sobre os efeitos do uso do biodiesel em larga escala em motores diesel convencionais e em motores especiais. Cabe lembrar, que ainda não há uma noção consistente sobre esses efeitos na saúde humana. O trecho extraído do resumo do seminário realizado em 22.05.2017 no Instituto de Astronomia e Geociências da Universidade de São Paulo diz o seguinte:

“Significant penetration of biofuels into the transport sector is occurring yet a thorough knowledge of their impact on engine performance and emission is not yet fully understood. While considerable research has been conducted describing the impact of different transesterified biodiesel fuel types on regulated emissions (i.e., PM, NOx, CO, and HCs) limited information is available addressing the impact of these fuel types on other particle properties that are more specific and relevant for their health effects. This presentation will look into the influence of biodiesel fuel physical/chemical properties and transient engine operation on nanoparticle emissions.”

Caso todas essas questões técnicas, legais, ambientais, de saúde pública e legais cruciais sejam adequadamente esclarecidas no futuro, a favor do uso do biodiesel nas proporções pretendidas – previamente ao estabelecimento de uma política pública de uso em larga escala desse combustível em níveis ainda não autorizados por fabricantes de motores e pelas autoridades competentes – caberá então ao governo municipal, e não antes disso, em pleno consenso com os agentes envolvidos nesse cenário, estabelecer suas leis, regulamentos e seus planos de expansão, com base em aspectos puramente logísticos e comerciais.

Olimpio Alvares é Diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica e emissões veiculares; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; consultor do Banco Mundial, da Comissão Andina de Fomento – CAF e do Sindicato dos Transportadores de ageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo; colaborador do Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute – WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition – CCAC, do International Council on Clean Transportation – ICCT e do Ministério Público Federal; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; faz parte da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.

Comentários

Comentários 72495v

  1. Joao Luis Garcia disse:

    Recentemente o Consórcio Plus e a empresa VIP aumentaram por sua deliberalidade a participação do Biodiesel no Diesel e o que se viu foi um aumento substancial dos problemas mecânicos nos motores
    Por tanto não é com uma canetada que se resolverá o problema
    Resta saber se a indústria automobilística estará preparada
    Primeiro deve-se convocar os fabricantes para que opinem
    Vamos aguardar

  2. Paulo Gil disse:

    Amigos, boa noite.

    A indústria de Biodiesel tem capacidade produtiva e, processo de produção contínuo e qualidade estável do biodiesel ???

    Isto também precisa ser avaliado antes de tudo.

    Att,

    Paulo Gil

  3. Eng. Carlos Augusto Nissel disse:

    Tenho uma curiosidade com relação a este assunto: na Alemanha verifiquei a venda do B100 nas bombas dos postos, para livre consumo nos motores diesel de vans e carros de eio, bem como caminhões. Não seria mais uma questão de normatizar e controlar/fiscalizar (ANP) a qualidade do Biodiesel que é vendido comercialmente no Brasil, para poder ser vendido livremente o B100 até para motores com tecnologia antiga ?

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