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ANTT tem até 11 de abril para explicar se cumpriu ou não liminar que questiona abertura de janelas de mercados 4m2z3l

Advogado especialista, Ilo Löbel da Luz, explica que para realizar correções impostas pela liminar, seria necessário abrir um novo processo regulatório, o que incluiria a realização de uma audiência pública e a revisão de todo o trabalho já realizado 21r

ALEXANDRE PELEGI

“Houston, temos um problema”… A icônica frase dita pelo astronauta Jack Swigert durante a missão Apollo 13, em 11 de abril de 1970, ao informar o controle da missão da NASA sobre a explosão de um dos tanques de oxigênio que paralisava a nave espacial, encontra um paralelo no cenário atual do Novo Marco Regulatório do TRIP, especialmente no que diz respeito às janelas de abertura de mercados.

O Novo Marco Regulatório do TRIP (Resolução ANTT nº 6.033/2023) entrou em vigor em 1º de fevereiro de 2024, estabelecendo que a entrada de novos operadores e o deferimento de autorizações ocorreriam por meio de janelas de abertura. A primeira delas, uma janela extraordinária, foi concebida para atender mercados desassistidos e caracterizados por monopólio. No entanto, uma decisão liminar da 6ª Vara Cível Federal do SJDF, suspendeu a transação da medida e determinou que a ANTT, até sexta-feria, 21 de março de 2025, realizasse mudanças na regulação com a eliminação do limite de autorizações por mercado e a supressão do processo de seleção. Na verdade, na ação que a AMOBITEC move contra a agência, foi expedida decisão dando 5 dias para a autarquia federal apresentar manifestação sobre o descumprimento ou não da liminar. Mas em decisão posterior, foi concedido á ANTT prazo até o dia 11/04 para manifestação (veja ao final da matéria). 

Diante desse cenário, o “problema” indica a necessidade de abertura de um processo regulatório ordinário para a elaboração de uma nova minuta de resolução, visto que as alterações determinadas pela liminar não podem ser simplesmente incorporadas ao regulamento vigente sem um novo procedimento istrativo.

Além desse ime regulatório, persistem falhas e inconsistências nos sistemas SIGMA e SISHAB2 – ferramentas essenciais para a gestão operacional do serviço de transporte. A instabilidade dessas plataformas compromete a eficiência da fiscalização, dificulta o acompanhamento das atividades regulatórias e gera insegurança para as empresas do setor, que dependem desses sistemas para suas operações diárias.

Nesse contexto, fica a percepção de que o Novo Marco Regulatório do TRIP foi implementado de forma precipitada, sem uma estrutura técnica e operacional necessária para garantir sua eficácia.

Para entender melhor este cenário complexo, o Diário do Transporte entrevistou o advogado especialista Ilo Löbel da Luz.

 

Diário do Transporte: Poderia nos dar um panorama geral sobre essa transição do regime de permissão para autorização e os principais marcos regulatórios que a acompanharam?

Ilo Löbel da Luz: Inicialmente, tivemos um momento de contrato de permissão, seguido pela identificação legislativa e a implementação do regime de autorização com a Resolução 4770 de 2015. Essa resolução previa que a ANTT realizaria estudos em um prazo de 48 meses para a abertura do mercado. Em outubro de 2019, a diretoria da ANTT constatou que esses estudos não haviam sido realizados, o que levou a uma decisão de seguir com a abertura. Entre março de 2020 e março de 2021, a ANTT começou a autorizar pedidos represados, desde que as empresas cumprissem a Resolução 4770 e possuíssem o MONOTRIP Nível 1. No entanto, uma liminar do Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu esses pedidos até março de 2023. Após essa suspensão, o TCU e o Supremo Tribunal Federal (STF) determinaram a necessidade de regulamentação artigo 47-B, da Lei 10.233/2001, referente a definição da inviabilidade técnica, operacional e econômica, antes de novas autorizações. A regulamentação do art. 47-B da Lei nº 10.233/2001 deu-se pela Resolução nº 6.033, de 21 de dezembro de 2023, publicada no DOU de 26 de dezembro de 2023, que trata do novo marco regulatório do TRIP – Transporte Rodoviário Interestadual de ageiros, estabelecendo novos parâmetros para o ingresso de empresas de forma progressiva e gradual, visando o equilíbrio do mercado.

 

Diário do Transporte: A Resolução 6033 previa janelas de entrada para novas empresas. Poderia explicar como funcionariam essas janelas e o que ocorreu com a liminar da AMOBITEC?

Ilo Löbel da Luz: A Resolução 6033 estabeleceu uma primeira janela, considerada extraordinária, no final do ano ado, com prazo até 17 de janeiro para os pedidos. Para mercados monopolistas (operados por uma única empresa), seria permitida a entrada de mais uma empresa. Em mercados não operados por nenhuma empresa, seriam permitidas duas entrantes. A janela ordinária seria realizada em outro momento, dependendo de índices e análises técnicas dos serviços. No entanto, a AMOBITEC obteve uma liminar contra essa resolução, questionando o limite de vagas na janela extraordinária. A liminar buscava a eliminação de qualquer limite de vagas e, consequentemente, do processo seletivo. A ANTT foi intimada em 20 de janeiro ado e tinha 60 dias para responder, prazo que se encerra nesta sexta-feira, 21 de março. No entanto, sabemos agora que este limite foi estendido para 11 de abril. A área técnica da ANTT entende que cumprir integralmente a liminar implicaria em desestruturar a nova regulamentação.

 

Diário do Transporte: E qual a estratégia da ANTT diante dessa liminar, considerando o prazo que se esgotou?

Ilo Löbel da Luz: Acredito que a ANTT não cumprirá a ordem judicial de forma imediata. A estratégia provável é que ela peticione ao juiz, alegando a necessidade de mais estudos e a impossibilidade de realizar as alterações na resolução dentro do prazo estipulado. A ANTT buscará ganhar tempo, enquanto trabalha no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para que o desembargador suspenda a decisão de primeira instância. A manutenção da liminar da AMOBITEC é vista pela ANTT como prejudicial ao mercado, causando insegurança jurídica e podendo inviabilizar a operação das empresas já estabelecidas. A abertura sem restrições e critérios é considerada danosa para todo o sistema.

 

Diário do Transporte: Além das questões legais, há relatos de problemas operacionais com os novos sistemas da ANTT. Como isso impacta as empresas?

Ilo Löbel da Luz: Sim, este é outro problema sério. A nova regulamentação foi concebida com o e de sistemas como o SIGMA, para a parte operacional das empresas (cadastro de linhas, horários, serviços), e o SISHAB2, para cadastro de frota e motoristas. No entanto, esses sistemas não estão funcionando adequadamente, com dificuldades no cadastro, inclusão e cancelamento de horários, e alterações nas linhas. Essa situação gera insegurança jurídica para as empresas, que não conseguem cumprir as exigências da resolução através dos sistemas e precisam recorrer ao protocolo no sistema SEI. A fiscalização também é prejudicada, pois não consegue acompanhar em tempo real as operações das empresas. Parece haver uma falta de alinhamento entre a concepção dos sistemas e a realidade operacional das empresas.

 

Diário do Transporte: Diante de todos esses desafios, qual a sua perspectiva para o futuro da regulamentação e da abertura do mercado?

Ilo Löbel da Luz: Acredito que a ANTT tentará ganhar tempo no judiciário para reverter a liminar da AMOBITEC no TRF1. Caso não obtenha sucesso, e a liminar seja mantida ou uma sentença posterior a confirme, podemos ter uma paralisação na abertura do mercado por um período considerável, possivelmente um ou dois anos. Isso porque a ANTT teria que refazer todo o planejamento, realizar novos estudos e um novo processo de abertura. Enquanto isso, a agência deve trabalhar para solucionar os problemas operacionais dos sistemas, que são cruciais para a implementação efetiva da Resolução 6033. O cenário é de incerteza, e o desenrolar dos acontecimentos no judiciário será determinante para os próximos os do setor. A ANTT busca uma solução que permita a abertura do mercado de forma organizada e equilibrada, evitando um cenário de competição desregulamentada que possa prejudicar a qualidade dos serviços e a sustentabilidade das empresas.

 

Diário do Transporte: Está causando polêmica um documento da SUPAS, de 21 de fevereiro de 2025, referente á questão da liminar obtida pela AMOBITEC que questiona o limite de vagas na janela extraordinária (leia ao final da matéria). Poderia nos explicar, em linhas gerais, qual o conteúdo e o objetivo principal desse texto?

Ilo Löbel da Luz: Pelo que consta nos documentos que tivemos o, trata-se de um relatório elaborado pela Superintendência de Serviços de Transporte de ageiros (SUPAS) direcionado ao diretor-geral da ANTT indicando os principais projetos, pontos sensíveis, problemas, gargalos, etc . O objetivo principal desse documento é apresentar um panorama das considerações acerca dos principais temas relacionados ao serviço de transporte de ageiros. Nele, são identificados problemas, gargalos, pontos de responsabilidade, além de sugestões e possíveis soluções para as questões levantadas.

 

Diário do Transporte: O relatório menciona uma questão específica relacionada às “janelas” e à Resolução 6.033/2023…

Ilo Löbel da Luz: A principal implicação, conforme o documento, é que a ANTT se vê impossibilitada de efetuar as alterações necessárias na resolução que definiu o Novo Marco Regulatório do setor. Para realizar essas correções, seria necessário abrir um novo processo regulatório, o que incluiria a realização de uma audiência pública e a revisão de todo o trabalho já realizado. Isso naturalmente acarreta um atraso na implementação das disposições da resolução e gera incertezas para os operadores do sistema. Um dos pontos centrais da liminar, de acordo com o documento, é a alegação de inviabilidade econômica e a preocupação em evitar qualquer tipo de privilégio ou benefício para as empresas que já atuam no sistema de transporte de ageiros. A ABOMITEC argumenta que a forma como a resolução está estruturada poderia favorecer as empresas já estabelecidas.

 

Diário do Transporte: E a seu ver qual a posição da ANTT diante dessa alegação da ABOMITEC? A agência entende que a resolução busca privilegiar as empresas existentes?

Ilo Löbel da Luz: OO relatório é claro em apresentar o entendimento da agência de que não se trata de privilegiar as empresas que já operam no sistema. A agência defende que o objetivo da resolução é promover uma abertura de mercado equilibrada, permitindo a entrada de novos operadores de forma organizada, evitando uma abertura desordenada. A ANTT argumenta que a liminar da ABOMITEC, ao questionar a possibilidade de qualquer benefício para as empresas existentes, poderia levar a uma simples abertura irrestrita do mercado, onde bastaria a comprovação de frota, motoristas e estrutura para que uma empresa tivesse o a todos os mercados, o que não é o cenário desejado pela ANTT.

 

Diário do Transporte: O documento menciona que os advogados da ABOMITEC utilizaram o relatório de forma estratégica. Poderia nos explicar essa questão?

Ilo Löbel da Luz: O que o relatório aponta é que os advogados da associação, ao analisarem o documento, fizeram uma leitura que melhor se adequava aos interesses do segmento na ação judicial. Eles teriam interpretado certas agens do relatório de forma a sustentar o argumento de que a ANTT estaria financiando ou privilegiando as empresas que já operam no sistema. A ANTT, por sua vez, nega essa interpretação, afirmando que seu objetivo é uma abertura de mercado equilibrada e viável para todos. Essa situação demonstra como um mesmo documento técnico pode ser interpretado de maneiras distintas pelas partes envolvidas em um litígio, a fim de fortalecer suas respectivas posições.

[Ilo Löbel da Luz – e-mail para contato – lobeldaluz@gmail.com]

 

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes

 



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