Mesmo com tecnologias de segurança em ônibus cada vez melhores, tem crescido o número de ocorrências, até com mortes nas rodovias e cidades. Como reduzir os riscos? LEIA NA ÍNTEGRA
ADAMO BAZANI
Têm sido cada vez mais comuns decisões judiciais que condenam empresas de transportes de ageiros a indenizar motoristas, cobradores, fiscais, mecânicos, operadores, maquinistas, bilheteiros por causa de Síndrome de Burnout, conhecida também como Síndrome do Esgotamento Profissional. A questão vai além de indenizações e engloba até mesmo acidentes. Por isso, mesmo com tecnologias de segurança em ônibus cada vez melhores, tem crescido o número de ocorrências, até com mortes nas rodovias e cidades.
De acordo com a especialista em direito trabalhista e empresarial, a advogada Liana Variani, o melhor caminho para todos, tanto empresas como empregados, é criar um “Compliance Trabalhista” para evitar sofrimento pessoal ao profissional e condenações a empresas. Ou seja, sem prevenção, todos perdem, até mesmo quem ganha a causa.
“Construir um ambiente de trabalho sadio não é apenas um direito fundamental, é um investimento que impacta de forma direta na empresa com saúde do trabalhador, melhores resultados, engajamento e retenção de talentos” – escreveu a advogada que realiza diagnóstico e prevenção de riscos jurídicos a empresas de diversos ramos.
Um dos exemplos recentes de derrota de empresa de ônibus ocorreu no Rio Grande do Sul.
A 2ª Turma do TRT-4 – (Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região) reconheceu o direito de um motorista de ônibus urbano a receber indenização por danos morais em decorrência desta doença.
A indenização foi de R$ 30 mil.
O trabalho de motorista de ônibus é considerado estressante e a Justiça reconhece que é uma atividade que oferece risco. E foi isso que baseou a sentença, segundo assessoria de imprensa do TRT-4, em nota ao Diário do Transporte. É chamada teoria de risco
As partes recorreram ao TRT-4 para reformar diferentes aspectos da decisão. No entanto, a 2ª Turma manteve a condenação da companhia de transporte, com base na teoria do risco. Neste caso, a responsabilização acontece em razão da natureza da atividade, não havendo a necessidade de comprovação de culpa. “O trabalho como motorista de ônibus do transporte coletivo de ageiros é atividade de risco, na medida em que o trabalhador está mais vulnerável e sujeito a risco acentuado de sofrer acidente de trabalho quando comparado a outros trabalhadores no exercício de atividades distintas”, afirmou o relator do acórdão, desembargador Carlos Alberto May.
A decisão, de 2024, da juíza Patrícia Iannini dos Santos, da 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, foi confirmada na Segunda Instância e não é caso único nos Tribunais em julgamentos referentes a empresas de transportes.
Os juízes têm cada vez mais reconhecido o direito a indenização por Síndrome de Burnout a trabalhadores de transportes.
O Diário do Transporte conversou com um motorista de ônibus, morador do ABC Paulista que pediu para não ser identificado. Na primeira instância, o profissional ganhou o processo da empresa de ônibus, mas a viação recorreu. O recurso está sendo analisado.
O relato do motorista, diagnosticado com Burnout, é impressionante.
“Ainda me trato. Perdi a vontade de tudo. Começou com uma sensação de corpo cansado, que eu achava que era normal. Motor na frente, trânsito ruim, motoqueiro, ageiro mal educado. Mas foi aumentando o cansaço. Exame de sangue não dava nada. Fui perdendo o ânimo e cheguei a não ter motivação mais nenhuma. Fui me tratar. Primeiro pensaram que era depressão. Mas aí, um psiquiatra começou a me tratar como essa Síndrome de Burnout. Tô melhorando, porém, não quero dirigir ônibus nunca mais” – disse.
Apesar de sintomas parecidos, depressão e Síndrome de Burnout não são a mesma coisa. Os tratamentos am por condutas semelhantes muitas vezes, mas quanto mais focado, melhor o resultado.
A chefe de Psicologia da “Orienteme”, Renata Tavolaro, explicou as diferenças básicas entre depressão e Síndrome de Burnout.
“Burnout é uma síndrome causada pelo esgotamento físico e emocional, geralmente associada ao ambiente de trabalho. Ele ocorre quando há uma sobrecarga de demandas, resultando em exaustão, falta de motivação e sensação de ineficácia. A síndrome de burnout é caracterizada por um esgotamento extremo, onde a pessoa sente que não consegue mais lidar com as responsabilidades profissionais. Depressão, por outro lado, é uma doença mental mais abrangente, que não se limita ao ambiente de trabalho. Ela pode ser desencadeada por fatores biológicos, genéticos, psicológicos e ambientais”. – escreveu.
Do ponto de vista jurídico, a advogada Liana Variani diz que os tribunais e estudos apontam, inclusive, relações entre Síndrome de Burnout (Esgotamento Profissional) e acidentes.
“Estudo promovido pela Agência Europeia para Segurança e Saúde do Trabalho apontou que o custo do estresse relacionado com o trabalho pode ser um sinal de alarme para as empresas. Verificou-se que trabalhar sob pressão pode multiplicar em cinco vezes o número de acidentes, um quinto da rotatividade de pessoal pode estar relacionado ao estresse no trabalho e o baixo desempenho devido a problemas psicossociais pode custar o dobro do absenteísmo” – escreveu Liana Variani.
A advogada explicou que uma das alternativas, para o bem estar do profissional e segurança jurídica e econômica das empresas, é a adoção de Compliance Trabalhista que, segundo Liana Variani, é uma ferramenta para a criação de um meio ambiente de trabalho socialmente saudável e exige uma profunda transformação na cultura corporativa.
Diante da inclusão do Burnout como doença ocupacional a atenção para saúde mental no ambiente de trabalho ou a ser pauta no âmbito jurídico. O cuidado em manter um ambiente de trabalho saudável precisa ser considerado prioridade e reforça a necessidade do Compliance Trabalhista nas empresas. A Síndrome de Burnout está registrada no grupo 24 do CID-11 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde)
Assim, para o bem de todos, no entendimento da advogada, em vez de empresas e trabalhadores se colocarem em lados opostos, as relações modernas mostram que interesses de patrões e empregados devem ser os mesmos.
E tudo implica, muitas vezes, em mudança de cultura empresarial e até mesmo dos sindicatos trabalhistas.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes