OPINIÃO: Poluição do ar, a torneira e o ralo 4lr1a

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OLIMPIO ALVARES

Do excelente artigo de Hal Harvey, sobre o processo que o conjunto dos países enfrentará este século para limitar o aquecimento global, foi extraída a ilustração abaixo. Ela mostra de modo alegórico, que no cenário Business as Usual (imobilismo) as medidas de redução de emissões de gases do efeito estufa – GEE e sua absorção natural (ralo da bacia) não conseguem superar o crescimento descontrolado do número de fontes de emissão de carbono fóssil (torneira abrindo). Isso implicará ao final do século ou antes disso a superação do limite máximo seguro de elevação da temperatura média da Terra de 2 graus Celsius – referência científica da proteção da “saúde do planeta” exposto às emissões de carbono. O aumento da temperatura acima de dois graus significa que a “Terra está com febre”.

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Pois bem, olho essa figura esquemática do dilema da mudança do clima do planeta e identifico imediatamente uma perfeita analogia com o que vem ocorrendo atualmente nas bacias aéreas de diversas grandes cidades brasileiras. A diluição natural e as insuficientes e inadequadas medidas de redução de emissões atmosféricas tóxicas, implementadas desde 1990 – marco zero da gestão da qualidade do ar (Resolução Conama 03/1990) – são incapazes de superar os indesejáveis excessos de emissão das fontes de poluição existentes, somadas às novas fontes de emissão poluente que iniciam, sem a devida restrição, sua operação na mesma bacia.  As ações de controle mostram-se nesse cenário real de parcial imobilismo, insuficientes e não-protetivas para a saúde pública, dada a estagnação ou agravamento das altas concentrações de poluentes. Observam-se violações rotineiras históricas dos padrões de qualidade oficiais regulamentados e dos Padrões de Qualidade do Ar – PQArs recomendados pela OMS – estes sim, e nenhum outro, a correta referência científica da proteção à saúde da população exposta. O aumento das concentrações de poluentes acima dos PQArs, significa que a “atmosfera está com febre”.

Do mesmo modo que o autor desse estudo – e todo coletivo de cientistas envolvidos nas questões das mudanças do clima – defendem a implementação imediata das medidas mais eficazes de mitigação das emissões de GEE – dada a periculosidade da procrastinação – cabe a ampla defesa da imediata adequação das medidas de controle existentes e das ações de prevenção e redução de emissões, que vem sendo sistematicamente adiadas desde o marco zero da gestão da qualidade do ar no País (Resolução Conama 03/1990 que estabeleceu os primeiros PQArs nacionais). Aliás, há um maior sentido de urgência dessas medidas de controle da poluição local, dadas as milhares de mortes excedentes e os severos problemas que já ocorrem em abundância nas áreas urbanas contaminadas.

No entanto, sem metas claras e prazos fixos para o não-atingimento do nível máximo seguro de temperatura média da Terra (portanto, sem a possibilidade de caracterização legal de eventuais violações), os governos nacionais ficariam (como infelizmente ambicionam) desencarregados e livres para implementar, ou não – sem nenhuma sanção possível e no prazo que bem entenderem de acordo com suas conveniências imediatas – as medidas de mitigação de GEE que evitariam o colapso climático global.

Pois é exatamente o mesmo que ocorre no caso dos PQArs (cientificamente protetivos) recomendados pela OMS. Sem metas claras e prazos fixos para o atingimento dos PQArs da OMS, os gestores regionais continuariam liberados para implementar, ou não (sem nenhuma sanção possível), no prazo que bem entenderem e de acordo com suas conveniências imediatas, as medidas de mitigação de emissões atmosféricas tóxicas e cancerígenas, que reduziriam para níveis aceitáveis, num prazo curto, os índices de morbi-mortalidade nas inúmeras áreas saturadas do País, que apresentam violações dos PQArs da OMS.

Nesse sentido, dadas as práticas insustentáveis que dominam a economia mundial, e a extrema urgência para salvar o planeta, decidiu-se pelo afastamento definitivo da ameaça, com a determinação peremptória da meta clara (aumento de no máximo dois graus)  e do prazo fixo inegociável (final do século), conforme definido na Convenção do Clima – COP-21 realizada em Paris em dezembro de 2015. Só assim, será possível alavancar na prática o desenvolvimento sustentável e as mudanças culturais necessárias para aplicação imediata das tecnologias disponíveis para mitigação das emissões de GEE,  de modo a permitir o atingimento das metas climáticas.

Analogamente, o claro e inequívoco estabelecimento das metas protetivas recomendadas pela OMS com prazos fixos e inegociáveis, induzirá a convergência e articulações concertadas entre governos, gestores ambientais e de transportes, e setor produtivo, alavancando, finalmente, de modo ágil e objetivo, as medidas típicas, simples e necessárias para atingimento dos PQArs mais protetivos. Assim, num prazo curto, os altos índices de morbi-mortalidade atuais recuarão e a qualidade de vida nas grandes cidades brasileiras enfim reverterá a ameaça da degradação continuada.

Medidas típicas, possíveis, viáveis e disponíveis que podem ser adotadas imediatamente pelos gestores ambientais e de transportes

Veículos novos

– Adoção do Euro 6: para os veículos novos, a exemplo de outros países – todos os países desenvolvidos, México, Chile, India;

– Correção imediata da regulamentação vigente dos inadequados requisitos de durabilidade de catalisadores de automóveis e motocicletas: não se sabe o porquê, esses tem requisitos regulatórios de durabilidade muito inferiores aos catalisadores utilizados nos outros países;

– Adoção do ORVR (On Road Vapor Recovery System) que controla a emissão de vapores no momento do abastecimento dos veículos, complementada pelo controle de emissões evaporativas nas operações de transferência de combustíveis de caminhões tanque para tanques de armazenamento de postos de abastecimento e bases de distribuição de combustíveis;

– Regulamentação da limitação da emissão de CO2 de veículos leves e pesados novos.

Veículos em uso

– Inspeção veicular ambiental: obrigatória desde 1993 pelo Conama e desde 1997 pela Lei Federal 9.503 – basta, portanto, cumprir a lei;

– Adequação dos procedimentos e limites da inspeção veicular da regulamentação vigente:  procedimentos atuais de medição de emissões adequados apenas aos veículos carburados – limites de inspeção de motocicletas são muito lenientes, cinco vezes maiores que na Alemanha;

– Adequação dos requisitos da regulamentação do Conama dos Planos de Controle da Poluição de Veículos – PVs, que atualmente são “planos de boas intenções”, que não definem metas, prazos, responsabilidades, custos, fontes de financiamento etc – e que nem sempre são cumpridos;

– Programas de gestão ambiental de frotas: modelo da Lei Municipal 8.813/2009 de Sorocaba que exige de frotistas diesel medições semestrais de opacidade (fumaça preta);

– Adoção de filtros adaptados (retrofit): em uma série de nichos específicos de aplicação de motores diesel, a exemplo de Santiago, México, Londres, Alemanha, Suíça, China etc.

Substituição de combustíveis fósseis

– Troca de diesel por combustíveis e propulsores alternativos em frotas de ônibus urbanos, caminhões de lixo, escolares, caminhões de entrega, motogeradores, equipamentos de construção civil;

– Regulamentação de uma política clara de penetração de veículos elétricos nos três níveis de governo para automóveis, bicicletas, motocicletas, caminhões e ônibus.

Combustíveis alternativos

– Regulamentação de uma política clara de penetração de veículos a biometano nos três níveis de governo para caminhões e ônibus;

– Incentivo ao desenvolvimento de combustíveis sintéticos renováveis;

– Desenvolvimento de uma política de incremento do percentual de biodiesel adicionado ao diesel comercial.

Mobilidade sustentável

– Implementação de rede de ciclovias e alargamento de calçadas;

– Adoção de uma política de estacionamento sustentável;

– Redes de BRTs integradas com Metro, VLTs e trens de superfície;

– Restrição da circulação de veículos de alta emissão em áreas e horários congestionados, por meio de pedágio urbano inteligente e flexível;

– Implementação de Low Emission Zones (Zonas de Baixas Emissões);

– Adoção de uma política disseminada de Teletrabalho conforme modelos dos Estados Unidos e outros;

– Adoção de uma política disseminada de programas de gestão da demanda de deslocamentos corporativos motorizados individuais (GDM).

Planejamento urbano

Para reduzir os impactos da poluição, entre outros, desenvolveu-se o conceito das cidades compactas, que se resume à cidade policêntrica que evita deslocamentos motorizados, promove o transporte coletivo de curtas distâncias, visando a reduzir os deslocamentos motorizados e incentivar o transporte a pé e bicicleta e fazer com que as pessoas convivam melhor nos espaços urbanos, onde a casa fica perto do trabalho e do estudo, que fica perto do lazer, cultura, esporte e comércio. Trata-se de uma cidade onde todos convivam nas ruas como se essas fossem a extensão de suas casas, sem barulho do tráfego motorizado, sem poluição do ar e sem acidentes de trânsito – novos “Jardins do Éden”. Esse conceito se vincula aos conceitos de Smart Cities e do Transit Oriented Development (TOD).

Fontes estacionárias

– Restrição imediata do licenciamento de novas fontes estacionárias em áreas com níveis de concentração superiores aos valores guia da OMS, mediante implementação de mecanismos de compensação de emissões.

Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; é fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; é assistente técnico do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – PROAM; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF, do Sindicato dos Transportadores de ageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss e da Autoridade Metropolitana de Florianópolis; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo e coordenador de sua Comissão de Transporte Limpo e Energias Renováveis; membro do grupo de trabalho interinstitucional de qualidade do ar da Quarta Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal; assessor técnico das entidades ambientalistas na Comissão de Acompanhamento do Proconve – CAP; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, Ministério do Meio Ambiente, Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute – WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition – CCAC e do International Council on Clean Transportation – ICCT; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; participa da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.

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