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ENTREVISTA – Licitação da ANTT: Redução da Tarifa decorre da diminuição dos serviços, diz presidente da Abrati 3y404l

Renan Chieppe, presidente da Abrati – Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de ageiros, vê com preocupação a licitação da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres – que engloba todas as linhas de ônibus interestaduais e internacionais. Para ele, deve haver redução na oferta de serviços o que vai estimular a migração do ônibus para outros meios ou o transporte clandestino. Chieppe diz que a redução da tarifa não trará grandes vantagens para o ageiro pois ela decorre da redução da frota. Foto: Abrati. 32285j

ENTREVISTA: Licitação da ANTT – Redução da Tarifa decorre da diminuição da frota
Presidente da Abrati e do Grupo Águia Branca, Renan Chieppe, diz que a diminuição da oferta de frequencias que resultará da licitação do sistema rodoviário vai prejudicar ageiros e empresas

ADAMO BAZANI – CBN

Até junho de 2012, a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres – pretende licitar o sistema rodoviário por ônibus de linhas interestaduais e internacionais.
O Pro Brasil – Projeto de Rede Nacional de Transporte Rodoviário Interestadual de ageiros – vai abranger 1967 linhas destes serviços.
O certame, maior da história do setor de transportes por ônibus do País, deve ser divido em dois: das linhas interestaduais com trajeto superior a 75 quilômetros e o das linhas internacionais e linhas interestaduais com percursos menores que 75 quilômetros.
Segundo a ANTT, o objetivo é tornar o transporte rodoviário de ageiros mais atraente (no início de 2011, o número de ageiros de avião ultraou o de ônibus), modernizar os serviços e deixar o sistema mais equilibrado e a distribuição de linhas de ônibus mais justa. Além disso, a ANTT afirma que será possível diminuir o preço das agens de 51 dos 60 lotes que devem dividir o sistema, que terá 18 grupos.
Essa licitação deveria ter sido realizada entre 2008 e 2009, mas por queixas das empresas e erros no dimensionamento do sistema, ela acabou sendo adiada.
Alguns erros no edital ainda persistem. Pelo menos é o que dizem as empresas de ônibus.
O presidente da Abrati – Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de ageiros, Renan Chieppe, que também é responsável pelo Grupo da Águia Branca, uma das maiores operadoras do setor, atendeu AO BLOG PONTO DE ÔNIBUS.
Para ele, não está descartado o risco de desestruturação do setor pelas normas do edital. O número de empresas de ônibus, que hoje é de 253, não deve ultraar de 100. Segundo Chieppe, o risco é de que “as companhias que só operam linhas federais terão que buscar outro negócio, interrompendo um ciclo de atividade de dezenas de anos”
O executivo também não vê grandes vantagens para o ageiro na forma como o valor das tarifas deve ser reduzido. Segundo ele, a redução da tarifa decorre da diminuição da frota, o que vai comprometer várias linhas de ônibus, seções dos itinerários e a oferta no número de assentos. Doze mil pontos de atendimento devem ser reduzidos.
Sobre o subsídio cruzado, previsto pela ANTT, que vai obrigar que empresas que ganharem o direito de operar em linhas lucrativas também assumam serviços cujo retorno financeiro seja menor, Renan Chieppe diz que isso não é nenhuma novidade do setor, que já possui esta prática desde quando o DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – gerenciava o sistema.

CONFIRA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:

1) A ANTT quer realizar a maior licitação do setor de transportes por ônibus de todo o País. Em linhas gerais, como a Abrati e as empresas rodoviárias têm analisado este certame?

Resp. Com muita preocupação, pois o modelo divulgado irá reduzir a atual oferta de assentos e irá privar muitos municípios de freqüências diárias de viagens. Além disso, tem a questão do desemprego, que ainda estamos analisando, mas que deverá ocorrer, pois a frota baixará de pouco mais de 13 mil ônibus, segundo dados da ANTT, para 6.132 veículos.

2) Um dos pontos anunciados pelo próprio Governo Federal é que não exatamente como cláusula do edital, mas pelas suas maiores exigências, muitas empresas de ônibus deixarão os serviços, havendo uma redução de cerca de 250 viações para aproximadamente 100 ou menos. Realmente, muitos empresários de menor porte terão de procurar outros negócios? Como é o universo do médio e pequeno empresário de ônibus rodoviário e qual o impacto dessa exclusão de empresas?

Resp. A previsão é que as empresas sejam reduzidas. Não sei precisar ainda um número. As companhias que só operam linhas federais terão que buscar outro negócio, interrompendo um ciclo de atividade de dezenas de anos. Outras, se operarem linhas intermunicipais, verão seu movimento cair abruptamente e seus investimentos em garagens e pontos de parada e apoio completamente perdidos.

3) Os subsídios cruzados são apontados como grandes diferenciais do edital para que haja melhor equilíbrio econômico no sistema. Ou seja, empresas que conseguirem linhas altamente lucrativas terão como obrigação assumir linhas de menor retorno. A Abrati considera esse mecanismo justo? Se não, qual pode ser a alternativa para empresas não ficarem com filé e outras ficarem com o osso?

Resp. Não existe nenhuma novidade nesse mecanismo, pois ele sempre foi praticado no setor, desde o seu início. O antigo DNER, quando não existia obrigatoriedade de licitação, distribuía as linhas seguindo esse conceito do atendimento social. E a concessão era feito no regime do “enquanto bem servir”. Ou seja, se o serviço estava sendo bem prestado as empresas continuavam fazendo o transporte. Em caso de repetidas falhas, elas eram excluídas.

4) Recentemente, o senhor falou sobre os problemas que a redução na frota prevista pela ANTT pode acarretar vindo contra o intuito de deixar o setor de transportes rodoviários mais competitivos em relação ao avião e aos clandestinos, por exemplo, porque com menos frotas há menos oferta de transportes. Para a Abrati, qual a frota ideal e gostaríamos que o senhor citasse mais exemplos de linhas importantes que terão o número de partidas reduzido por conta da diminuição dessa frota.

Resp. Acredito que uma frota menor que 10 mil ônibus não tem condições de atender a população como é feito atualmente. Não é só a redução de frota que implicará em diminuição de freqüências de viagem em algumas cidades. O próprio modelo divulgado, ao acabar com algumas seções de linhas inviabilizará ligações importantes, como Fortaleza para Brasília, por exemplo, que tem seção em Petrolina, que deverá ar de uma freqüência diária para uma freqüência por semana.

5) Ainda em relação à frota, há a questão da diminuição da idade média que hoje é de 14 anos para 5 anos, e da máxima que seria de 10 anos e hoje há ônibus com quase 30 anos de circulação. A questão é que boa parte do sistema rodoviário tem idade superior a 10 anos, sendo necessária uma renovação em massa. As questões são: – As empresas de ônibus, em sua maioria, têm condições de comprar vários veículos novos de uma vez para atender a renovação? Como serão vários ônibus a serem comprados, a Abrati teme que os preços de ônibus (carrocerias e chassis) sofram alguma espécie de inflação por demanda aquecida?

Resp. Algumas empresas terão mais condições do que outras de renovar suas frotas. O problema é que o mercado não tem condições de atender, num prazo curto, encomendas de porte. Não acredito que haja inflação dos preços, pois os nossos fornecedores são parceiros antigos do setor e sabem das dificuldades de todos.

6) A ANTT alega que é necessária uma modernização do sistema rodoviário e se baseia em algumas práticas do setor aéreo, como maior interatividade com o ageiro, sites para compras de agens (que só as viações grandes têm majoritariamente), salas vip, terminais de auto-atendimento, agens com leitura ótica, sistemas de localização, etc. Isso é possível ter no setor rodoviário como um todo, não apenas nas empresas maiores?

Resp. É difícil precisar, pois, como no avião, as empresas se adéquam aos mercados nos quais compete. Hoje algumas já oferecem até internet gratuita nos ônibus.

7) Em 2008, a ANTT já tentou fazer essa licitação e acabou não dando certo. Por que, na visão da Abrati. Corremos o risco de se repetir o que ocorreu em 2008?

Resp. Em 2008 a ABRATI realizou estudos mostrando que o modelo apresentado continha vários erros e que poderia por em risco todo um sistema que funciona bem. Nossa posição foi acatada e a ANTT partiu para estudar tudo novamente.

8 O sistema foi dividido em 60 lotes com 18 grupos. Explique melhor isso, por favor?

Resp. Só a agência poderá responder essa questão.

9) A ANTT fala que com a licitação haverá um barateamento das tarifas de ônibus. Para a Abrati, da forma como são colocadas as exigências do edital, será possível mesmo deixar as agens de ônibus mais baratas e competitivas?

Resp. Pode até ocorrer uma redução mínima em algumas linhas, como está sendo colocado pela ANTT. Mas essa redução decorre da diminuição da frota. As consequências serão que os ageiros terão menor oferta de horários e deverão buscar alternativas, ou usando o transporte pirata, que não sofre fiscalização, ou migrando para o transporte aéreo. Estão sendo suprimidos mais de 12.000 pontos de atendimento do sistema atual.

10) Como fica a divisão das linhas com os limites de empresas pelos percursos, como a Rio – São Paulo com 05 companhias? Recentemente, o senhor falou que a ANTT superdimensionou a taxa de ocupação do sistema. O senhor poderia nos explicar melhor?

Resp. Hoje a linha Rio – São Paulo é operada por quatro empresas, que operam com taxas de ocupação na faixa de 60%. O plano da ANTT diz que a taxa de ocupação anual será de 98% com as cinco empresas. Não sabemos ainda como as empresas terão que fazer para conseguir a taxa de 98% de ocupação. Pode ser que seja reduzindo freqüências, mas não está claro ainda.

11) Agradecemos de novo a atenção para o Blog Ponto de Ônibus, e gostaríamos de saber se o senhor tem algo mais a acrescentar.

Resp. Estamos muito preocupados com a possibilidade de desestruturação de um setor que funciona bem e há décadas, sem gozar de nenhum benefício governamental nem fiscal. Pelo contrário, tem sido penalizado sempre, haja vista a cobrança de ICMS em cima das agens rodoviárias, enquanto o setor aéreo goza de isenção de pagamento desse tributo, que varia de 8 a 12%.

O sistema de transporte rodoviário brasileiro é considerado como um dos melhores do mundo. Serve, inclusive, como benchmarketing para outros mercados. Prova disso são as delegações estrangeiras que visitam nossas empresas a fim de buscar conhecimento para operações de longa distância e em praticamente todo o território nacional. A própria ANTT fez, há alguns anos, pesquisa para aferir a satisfação dos usuários e os números apresentados foram até ligeiramente superiores aos das pesquisas feitas pela ABRATI.

A licitação, em função de determinações legais, é inevitável. O que sempre defendemos é que ela seja conduzida com muita responsabilidade para que não haja um desmonte do setor e para que o usuário continue a ter o atendimento que tem hoje, com grande grade de horários, regularidade e oferta nos períodos de pico, o que o novo plano apresentado não contempla, ao reduzir a frota operacional.

Acredito que se o modelo apresentado prevalecer os ageiros sairão prejudicados na oferta de assentos nas viagens.. Os problemas decorrentes dessa redução de frota são ausência de horários extras nos feriados, carnaval e final de ano e uma enorme diminuição na oferta de horários de viagens para os usuários do sistema.

Existem linhas, como, por exemplo, Belo Horizonte, MG, para Conceição da Barra, ES, que possuem dois horários por dia, feitos por duas empresas distintas. Na temporada de verão, ou mesmo em feriados, elas ofertam até 25 horários diários. E além dessa reserva para os momentos de pico, existem a obrigatoriedade da empresa ter carros reservas ao longo de suas rotas.

Outra preocupação é quanto ao modelo adotado no que diz respeito às zonas de atuação de cada empresa. Por exemplo, uma empresa baseada em Porto Alegre, RS, que tem sua estrutura montada para atender o Sul do País. Ela perde a licitação em sua região e ganha em outra. Ela terá que construir toda a infraestrutura de garagens na nova região onde irá operar, terá que demitir grande parte do seu quadro de pessoal e contratar novos empregados. E quem ganhar a licitação no lugar dela terá que fazer a mesma coisa, se ela for de outro Estado ou região. São investimentos extremamente elevados e uma questão social – demissões – de enorme relevância.

Os principais pontos da licitação e o que diz a ANTT você confere em nossa matéria anterior

LICITAÇÃO DA ANTT – ÔNIBUS RODOVIÁRIOS: SAIBA DOS PRINCIPAIS PONTOS

Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes

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