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BOM MESMO É SER MINORIA: OS ERROS HISTÓRICOS SOBRE A MOBILIDADE URBANA NO BRASIL x2l4i

PROPAGANDA DO PUMA, EM 1969, DESTACANDO AS EXCLUSIVIDADES DO CARRO E DIZENDO QUE BOM MESMO É SER MINORIA. Ao longo da história, as políticas de transportes e mobilidade se distorceram. A visão técnica deu lugar a eleitoreira. Como o carro ou a ser sinal de status e deixava as pessoas felizes, logo os governantes viram esta oportunidade como votos. O transporte individual foi estimulado, com mais espaço nas vias públicas e isenções fiscais. De 1977 a 2005, o número de deslocamentos motorizados em transportes públicos caiu de 68% para 51%. O resultado: cidades cada vez mais poluídas e congestionadas. Se não bastasse isso, pela falta de vontade, inteligência e priorização das políticas públicas em prol da mobilidade, os transportes coletivos ficaram mais caros. Como quem teve um pequeno acréscimo de renda migrou para o carro, estes custos maiores tiveram de ser bancados por quem menos tem condições financeiras. Foto: Acervo Blassioli 5i596l

Ipea mostra os equívocos das políticas de mobilidade no País
Pesquisa revela que prioridade dada ao transporte individual pode levar as cidades brasileiras ao colapso. A falta de integração entre os diversos meios de transportes públicos e o financiamento desigual do sistema também contribuem para cenário nada animador

ADAMO BAZANI – CBN

Quando os fatos são tão óbvios mas não são levados em consideração, muita coisa está errada ou há no mínimo intenções nem sempre leais.
Os desafios em relação à mobilidade no Brasil são de difícil solução, à medida que as cidades cresceram, a população aumentou, mas a oferta de transportes públicos não acompanhou esse ritmo. Mesmo sendo de solução não muito simples, também não são bichos de sete cabeças e grandes enigmas. Para que as cidades não parem e não morram intoxicadas por tanta fumaça, o transporte público deve de fato ser levado a sério e ganhar prioridade.
O tema nunca foi tão explorado como agora, quando o País foi anunciado como palco da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 e que as esferas do poder público perceberam que o assunto nunca foi tratado com seriedade necessária na maior parte das vezes.
A pesquisa A mobilidade urbana no Brasil divulgada nesta quarta-feira, dia 25 de maio de 2011, pelo Ipea – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas mostra de forma inédita os erros históricos e atuais das políticas (ou falta delas) que deveriam garantir o ir e vir das pessoas.
Falta de integração e planejamento, estímulo ao carro de eio e motos, não democratização do financiamento dos serviços de transportes e até exclusão social são alguns dos erros históricos apontados pelo Ipea que resultam no que é possível ver nas cidades no dia de hoje: muito congestionamento, falta de educação no trânsito, transporte público com a imagem de que é só para o pobre e poluição que custa vidas e milhares de reais por mês:

FALTA DE INTEGRAÇÃO E PLANEJAMENTO:

Os custos para operar os transportes públicos aumentaram significativamente. Prova disso é que de 1995 a 2007, os preços das tarifas de ônibus subiram 60% acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor.
Como já foi citado em matéria anterior, neste mesmo espaço, o fato dos ônibus não terem prioridade no trânsito, mesmo levando muito mais pessoas por unidade, encarece o sistema. Em vez de dois ônibus presos nos congestionamentos, um único ônibus, em corredor exclusivo do Tipo BRT (Bus Rapid Transit) poderia fazer os mesmo serviços, atendendo inclusive mais viagens e um número maior de ageiros.
Mas não é só isso e as instabilidades dos preços dos insumos, como diesel e peças de manutenção e reposição, que aumentam o preço das tarifas.
Há também uma verdadeira falta de inteligência ou unificação nas políticas de transportes. Isso se dá pelo excesso de órgãos públicos que gerenciam os transportes e muitas vezes, dois órgãos diferentes tratam de um mesmo corredor de ônibus. Não há entendimento entre estes órgãos e ocorrem as tão caras e que já deveriam ser descartadas sobreposições de serviços. A sobreposição de serviço tira o caráter público dos transportes e a igualdade de oferta de meios de locomoção. Em algumas regiões, ônibus municipais, ônibus intermunicipais, trens e metrô fazem quase o mesmo serviço, sendo que em outras regiões, as pessoas, em pleno ano 2011, ainda precisam andar quilômetros para pegarem a condução e isso em grandes cidades inclusive. As sobreposições de linhas e órgãos são esforços em vão, dinheiro aplicado demais em um lugar, sendo que poderia ser melhor distribuído em outros.
Um exemplo: apesar de os entendimentos terem melhorado nos últimos anos, quantas vezes EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – que cuida das linhas intermunicipais de São Paulo, e SPTrans, que cuida das linhas municipais se sobrepõe e até adotam posturas diferentes, quase contraditórias. Isso significa desperdício de oferta de transportes, de máquina pública e dinheiro e de esforços.
Dentro deste aspecto, há uma total falta de integração física, tarifária e tecnológica entre sistemas que servem a mesma cidade, em muitos casos.
São Paulo e Rio de Janeiro, por mais que precisem progredir muito neste aspecto, ainda possuem sistemas de integração entre modais. Em outras regiões, há ainda casos que em vez de o cidadão usar o trem, o ônibus ou metrô, que é o ideal, num cenário que um modal complementa o outro, o ageiro tem de escolher um entre os três.
De maneira geral também há descomos em relação aos investimentos. E aí entra politicagem no meio. Quantas istrações públicas de vangloriam em dizer que foram as que mais investiram em metrô, por exemplo. Na verdade, os investimentos devem ser nos transportes e não num só modal. O que adianta o metrô que a pelo “tronco” da cidade ser moderníssimo, se os ônibus que levam as pessoas dos bairros até o metrô operam sem condições de conforto, segurança, pontualidade e por pessoas nem sempre comprometidas com o bom serviço e a honestidade?

ESTÍMULOS AOS CARROS DE EIO E MOTOS:

Desde quando a indústria automotiva ou a ter força maior no Brasil, nos anos de 1950, a partir da política desenvolvimentistas de Juscelino Kubitscheck, por uma estratégia de marketing, para vender mesmo, o carro ou a ser não sinônimo de locomoção, mas de status, de nível social maior. Quem ou a ter carro, começou a ser considerado um cidadão diferenciado.
Logo de cara, para vender carros, ônibus e caminhões, o setor ferroviário foi deixado num segundo plano. Mais em seguida, para vender carros e mais carros, e pelo veículo individual demonstrar categoria social, o transporte público foi se degradando, não dando conta da demanda e a imagem que começou a ter era de que transporte coletivo era coisa para pobre.
Como governo precisa de voto e como o que era status e deixava as pessoas felizes era o carro de eio, para agradar, foi mais fácil ao longo da história incentivar os meios de locomoção individuais que aplicar em políticas de mobilidade.
O Ipea mostra essa distorção histórica na mobilidade que só se acumulou.
De acordo com os dados da pesquisa A mobilidade urbana no Brasil, o transporte público perdeu espaço para o carro:

• De 1977 a 2005, nas regiões metropolitanas, o número de viagens motorizadas por transporte público caiu de 68% para 51%
• O uso do automóvel neste mesmo período nas cidades médias e grandes subiu de 32% para 49%
• Em 2007, a frota de veículos nas cidades com mais de 60 mil habitantes atingiu 20 milhões de automóveis, dos quais, 75,2% são carros de eio e veículos comerciais leves, como pickup s
• E, 2008, foram vendidos no Brasil 2,2 milhões de carros de eio novos e 1,9 milhão de motos.
• As motos, que já gozaram a exemplo dos carros de vários incentivos tributários, têm crescimento de venda em torno de 20% ao ano.
• Entre 1996 e 2006, 7,6 milhões de motos estiveram envolvidas em 08 mil acidentes com mortes.
• Em 2007, 22% dos ciclistas estiveram envolvidos em acidentes que resultaram em pessoas mortas.
• Com todo esse excesso de veículos particulares, segundo o Ipea, o tempo médio de deslocamento das pessoas nas cidades das dez principais regiões metropolitanas no País subiu 6%, sendo que no caso das pessoas que já gastavam mais de uma hora para se deslocarem da casa para o trabalho, esse tempo subiu ainda mais. Isso sem contar que o número de pessoas que demoram mais de um hora para chegar ao trabalho cresceu de 15,7% da população nestas 10 regiões metropolitanas para 19% Isso significa dizer que carro, ao contrário do que aparece nas propagandas, na significa mais velocidade. Pois mesmo com tendo mais o a carros, as pessoas gastam mais tempo dentro do veículo próprio para chegar ao destino. O pior pe que o ônibus, que em menos espaço leva o equivalente a 35 carros, no mínimo, fica preso neste mesmo congestionamento.

NÃO DEMOCRATIZAÇÃO DO FINANCIAMENTO DOS TRANSPORTES:

Há distorções apontadas na pesquisa do Ipea em relação ao financiamento dos transportes públicos. Primeiro porque a migração de ageiros de ônibus para os carros não representou inclusão social e sim exclusão, já que os maiores custos dos transportes recaíram para as camadas com menos condições financeiras que não teve a oportunidade de comprar um veículo próprio. Outra distorção é em relação às gratuidades para idosos, deficientes e outros usuários. A gratuidade é um benefício coletivo e de cunho social, assim toda a sociedade deveria bancá-la e não apenas o ageiro do transporte público que paga tarifas mais altas. Difícil vai se convencer quem não gosta de gente diferenciada, nem de metrô e ônibus a ajudar nestes benefícios, sendo que há necessidades mais urgentes, como ear no shopping bacana ou viajar para o exterior, mesmo que no aeroporto brasileiro a espera pelo Airbus seja igual a espera pelo Terrabus. Foto: Adamo Bazani

As formas de financiamento de direitos nos transportes públicos também estão distorcidas, segundo o Ipea.
Isso porque, todos benefícios como gratuidade caem na maioria das vezes sobre o bolso dos outros ageiros pagantes. Isso aumenta o valor das tarifas, que cada vez mais pesam no orçamento do ageiro pagante. Para o Ipea, pelo fato de o transporte ser público e os benefícios a idosos e portadores de deficiência serem sociais, todos deveriam arcar com eles , inclusive quem usa carro, e não somente o ageiro de ônibus, trem ou metrô.
Para o Ipea, isso é uma injustiça, pois a classe que menos tem recursos e que não consegue comprar um carro, tem de arcar com um benefício social e quem possui condições para ter um ou mais carros não paga nada.
As gratuidades podem responder por até 60% dos custos de um sistema.
O texto do Ipea é claro:

“Como a gratuidade é uma política de proteção social a segmentos desfavorecidos, o certo é que toda a sociedade arque com esse custo, evitando que o maior ônus recaia sobre os segmentos de menor poder aquisitivo”

Mas se a classe média, do tipo de moradores de Higienópolis em São Paulo, não querem metrô perto de casa pois não querem se misturar com a gentalha, quanto mais essa classe média ajudaria a bancar a gratuidade de um idoso ou de um deficiente. Afinal, ela precisa urgentemente gastar no shopping bacana ou viajar para o exterior, mesmo que fique no aeroporto o mesmo tempo esperando pelo Airbus que o trabalhador fica esperando pelo Terrabus da periferia.

EXCLUSÃO SOCIAL:

Toda essa migração do ageiro de ônibus para o carro, surpreendentemente e diferentemente do que dizem as propagandas governamentais, não é inclusão social e sim exclusão, segundo o Ipea.
Isso porque realmente o transporte público fica só para os pobres, aqueles que nem financiando em inúmeras prestações conseguem ter uma moto sequer e são obrigados a andar de ônibus ou outro meio de transporte coletivo.
E o pior, estas que restaram nos ônibus, mesmo ganhando pouco, vão pagar mais caro, pela elevação dos custos dos transportes, pelos vários fatores aqui citados e pela queda de demanda, quando menos gente vai ter de dividir o bolo dos gatos.
Isso sem contar que quem comprou o carro não teve grande ganho de qualidade de vida, afinal, os tempos de deslocamentos, só aumentam.

Em resumo, os números estão aí, os problemas são antigos e debatidos. Basta que as autoridades públicas comecem a priorizar os transportes públicos.
E se os usuários de trens, ônibus e metrôs, assim como os de carro que não agüentam mais os congestionamentos, não começarem a reclamar e a chiarem como os diferenciados de Higienópolis, nada vai ser feito.

Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN especializado em transportes.

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