Ciferal, em 1968, da Breda, cujo chassi foi construído por José Papi, e colegas, com peças que não eram mais utilizadas pela CTC, do Rio de Janeiro. A originalidade das garagens, que apresentavam soluções rápidas aos problemas do dia a dia, foi escola para a indústria brasileira de ônibus se tornar uma das melhores do mundo. 1m4v4t
É consenso dizer que a indústria brasileira de ônibus é uma das mais respeitadas do mundo.
Décadas e décadas de engajamento de profissionais dedicados e desafios como a busca por operar ônibus com qualidade mesmo em estradas tão esburacadas e viários urbanos tão deteriorados e sem manutenção, problemas bem antigos do País, deram à indústria brasileira uma flexibilidade que chama a atenção de outros países.
O ônibus brasileiro é sim um dos melhores do mundo. Se os sistemas são eficientes ou não se os empresários preferem os modelos mais simples e baratos, já é outra discussão, mas o Brasil tem capacidade de fazer produtos que não devem muito aos países desenvolvidos que inclusive incentivam e financiam novos produtos e tecnologias.
Todo este desenvolvimento da indústria brasileira de ônibus se deu nas escolas de engenharia, nos cursos técnicos, nos investimentos das fabricantes de chassis, carrocerias, motores e peças, mas também pro soluções que nasciam dentro das garagens ante as necessidades do dia a dia.
Nas garagens eram feitas verdadeiras obras de arte com a visão de quem enfrentava os reais problemas de se operar um ônibus: o motorista, os mecânicos, os demais funcionários da empresa, os donos e claro, a população, que apresentava reclamações em prol da qualidade melhor dos serviços e carros. Estas reclamações não eram vistas com desdém por muitos empresários, principalmente os pioneiros, que também eram ageiros, mas como desafios a serem enfrentados.
Soluções que levavam anos para a indústria desenvolver, os mecânicos e demais funcionários das garagens faziam em poucos dias, ou até horas.
Aumentava-se a suspensão dos ônibus em terrenos mais difíceis, mudava-se as carrocerias, aumentavam os chassis, fortaleciam-se os parachoques, aumentavam as inclinações dos cortes da carroceria na parte inferior para o ônibus não rapar numa subia, enfim, empresários, motoristas e mecânicos (isso quando não eram a mesma pessoa) faziam de tudo.
O País também enfrentou várias crises econômicas e só sobreviviam os que conseguiam aproveitar melhor os recursos disponíveis no mercado.
O que era sucata numa empresa, com criatividade, dedicação e muito trabalho, virava ônibus de luxo em outra. Assim, em algumas oficinas, não eram apenas consertados os veículos. Alguns ônibus eram fabricados.
Com esta foto, Antônio Motta, pesquisador da área de transportes, dá um exemplo claro. Na imagem aparece o pai dele, José Papi, hoje com 84 anos, orgulhoso na frente de um ônibus de carroceria Ciferal, pertencente a Breda. A carroceria era novinha, mas o chassi foi feito artesanalmente por José Papi com peças usadas da CTC – Companhia de Transportes Coletivos, empresa pública do Rio de Janeiro. Era comum um chassi ter peças de várias fabricantes, como Scania, GM, FMN, num único ônibus.
Quando a reportagem viu esta foto pediu mais detalhes e recebeu esta interessante relato de Antônio Motta, que dividimos com todos vocês:
“Meu pai entrou na Breda Sao Paulo em 1957. Em 1959 foi transferido para a Breda Rio de Janeiro. Formado pela Escola Técnica da Central do Brasil em Cachoeira Paulista, SP, como soldador, gostava mesmo de exercer a funcao de mecanico e motorista. Além dests funcóes exerceu a funçao de Chefe de Trafego, Inspetor, Motorista, Examinador.
Meu pai chama-se José Papi e esta com 84 anos de idade. Ficou trabalhando na Breda até 1990 quando o grupo foi vendido para os Constantinos.
Quanto a construçao do chassis: Meu pai participava de concorrencias para venda de peças da antiga CTC-do RJ. Lá junto com o Sr. Mario Valone que era tio dos sócios da Breda Rio de Janeiro, compravam chassis (longarinas), motores, tudo usado. Lá nas oficinas da Breda em Parada de Lucas, bairro do Rio de Janeiro, juntavam novamente as longarinas, colocavam um motor na traseira, geralmente um 0321 da Mercedes, alinhavam, pintavam o chassis e depois enviavam para ser encarrocádos no Ciferal do Rio de Janeiro. Esta foto é de 1968 no Butanta de Sao Paulo mesmo ano do onibus e também do chassis reconstruido nas oficinas da Breda. Uma vez fizeram um chassis nas oficinas com cambio de FNM, motor de Scania e longarinas de GM ODC 210.”
Era uma época romântica dos transportes, mas que ficou na história. A sociedade evoluiu, as cidades também e as necessidades se tornaram outras. Com a indústria especializada, com a ajuda de pessoas como José Papi, agora as operações devem seguir novas exigências e hoje existem parâmetros técnicos e legais, em prol da segurança do ageiro e da comunidade onde o ônibus circula, as adaptações nas garagens já não podem ter a mesma intensidade. Os ônibus homologados devem manter suas características originais. Não que ainda não existam as adaptações nas garagens, mas agora a fiscalização pelo menos deve ser maior.
Adamo Bazani, repórter da CBN, jornalista especializado em transportes